A Paixão Por Voar

RepAir 1 jpgA profissão de repórter tem seus momentos atrozes, mas permitiu que eu realizasse alguns sonhos de infância. Um deles: voar de helicóptero! Fui repórter aéreo de uma das rádios de jornalismo com maior audiência na capital paulista durante um ano e meio.

A experiência era fascinante. Apesar de, com o tempo, ter perdido o friozinho na barriga das primeiras viagens, a curtição de cada decolagem e o alegre pensamento “lá vamos nós” sempre estiveram presentes. E eu me divertia ouvindo as histórias dos pilotos, conversando e descobrindo algumas coisas. Exemplo:

Um helicóptero não despenca lá do alto em caso de pane por falta de gasolina! Desde as primeiras aulas práticas, os pilotos são treinados em uma manobra chamada “auto-rotação”, que nada mais é do que posicionar as pás das hélices para que girem com a força do vento. Isso cria uma espécie de “pára-quedas”, que ajuda a descer a máquina com certa tranqüilidade. Mas claro que não há muito controle de direção neste procedimento, nem dá para ganhar altura, por isso preciso sempre estar de olho em algum ponto descampado onde seja possível pousar. Por isso, os pilotos não gostam muito de sobrevoar o “paliteiro” do Minhocão – uma região com muitos prédios e nenhuma área livre para casos de emergência.

Nos primeiros vôos eu administrava o nervosismo olhando para os helipontos que se vê no topo dos prédios lá do alto. São Paulo tem um sem número deles. Achava que em caso de emergência, lugar para pousar era o que não faltava. Até que um dia um piloto me contou que em caso de emergência a última coisa que ele iria fazer seria tentar “acertar o alvo” de um heliponto no topo de um arranha-céu em meio ao vento.

Os leigos sempre acham que um helicóptero pode pousar em praticamente qualquer lugar. Na teoria é verdade. Na prática, os pilotos não pousam no meio de um campo de futebol, por exemplo, se bem entenderem – cada movimento desses precisa ser notificado à rede de tráfego aéreo da cidade, e seria necessário justificar muito bem justificado o tal pouso. O que não quer dizer que não ocorra de vez em quando.

Sabendo de minha paixão por voar, vivi boas aventuras com alguns dos pilotos com quem voei por mais tempo. Dávamos razantes sobre as águas da represa de Guarapiranga, pousávamos em ilhotas perdidas no meio do Rio Tietê e cruzávamos o trecho de serra das rodovias Anchieta/Imigrantes, uma sensação, aliás, quase indescritível.

Nossa altura média de vôo era de 150 metros do solo dentro da cidade. Mas, na serra, de onde víamos o mar à distância, era possível cruzar a “interligação” das rodovias e andando mais um pouco nossa altura em relação ao solo de súbito se tornava gigantesca… era possível ver toda a extensão das três estradas (na época não havia o trecho novo da Imigrantes) e o helicóptero pequenino lembrava mais ainda uma pequena mosquinha voando alto, bem alto… (com a gente dentro, um vírus sobre uma mosquinha)

Foi na volta de uma dessas aventuras que eu percebi qual a paixão que faz uma pessoa decidir pela profissão de piloto. Depois de tanto voar, eu sabia que seria arriscado nos enfiarmos no meio das nuvens. Helicópteros de pistão, como o Robinson R22, não podem ter aparelhos para fazer “vôo cego” (por instrumentos), e não têm sequer horizonte artificial. Sem ele, o perigo é perder a relação com o solo e inclinar demais o aparelho, perdendo a sustentação e jogando a máquina direto para o chão. Mas naquele dia meu amigo comandante Machado estava apaixonado pelo céu. E como Ícaro, queria ir além.

Sobre a rodovia Anchieta à caminho do bairro do Sacomã, início da estrada, o piloto começou a olhar fixamente para um ponto no alto, sem conseguir piscar. Eu olhei para ele, que tinha os olhos vidrados: “podemos entrar ali…” Em instantes, ele conduziu o pequeno aparelho até uma “janela” no meio das nuvens. Pouco depois, estávamos voando acima da altura das nuvens… e em instantes estávamos rodeados delas. O piloto parecia estar em conferência com Deus, tamanha a alegria. A visão era linda mesmo… mas eu tremia de medo olhando para a “janela” entre as nuvens, com medo que fechasse. Se acontecesse, seria arriscado demais voltar a descer.Sorte que ele acordou do transe à tempo. E eu senti que nesse dia, tínhamos incomodado um pouco o Criador, indo visitá-lo em casa.

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O Fusca Voador

ImagemEu fazia a cobertura de trânsito por helicóptero. O modelo, um Robinson R22, é bem pequeno, cabem só duas pessoas. É considerado por muitos o “Fusca dos Helicópteros”. Quando uma piloto me disse isso uma vez, pensei que ela se referia apenas à popularidade do aparelho. Por ser barato e de fácil operação, pode ser visto em praticamente todos os angares do Campo de Marte. Também era o modelo utilizado pela maioria das rádios há quinze anos.

A primeira vez que voei num desses foi numa madrugada de tempestade. A cidade inteira estava alagada e um helicóptero sozinho não dava conta de cobrir todos os pontos de alagamento. O colegaWagner Belmonte pediu então que outro repórter decolasse para fazer uma dobradinha. Eu fui o escolhido.

Naquela chuva toda o pequeno aparelho saltitava. Parecia mais um daqueles touros bravos que a gente vê nos rodeios. E lá fomos nós. Para contornar um pouco o medo de estar sobrevoando naquelas condições, eu dizia a mim mesmo que o piloto era tão humano quanto eu e, se achava que dava para ir, então não teria problema. A cobertura correu sem sobressaltos… mas eu ainda não conhecia a cidade tão bem vista do alto e a ajuda do amigo foi imprescindível.

Tempos mais tarde eu me tornei o “repórter aéreo” oficial da tarde e com o tempo perdi aquele aquele medo inicial dos primeiros vôos. Até que um belo dia tivemos um problema logo na decolagem durante um fim de semana e não pudemos voar. Assim que o aparelho “se desgrudou” do chão para ganhar altitude, uma luzinha amarela chamada “clutch” se acendeu com buzina e fomos direto para o chão. Sem sustos, estávamos a pouca altitude, tudo muito tranqüilo. Mas não pudemos mais voar e a cobertura foi por terra naquele sábado.

Na segunda feira eu cheguei mais cedo ao angar e surpresa: descobri porque a piloto tinha me dito que aquele era o Fusca dos helicópteros. Não só por ser “popular”, mas também porque a manutenção era “fácil”. Cheguei a tempo de ver o helicóptero “Robinho” com as entranhas abertas e um monte de peças para fora, tal um Fusca que o dono conserta em casa mesmo, durante o fim de semana. Um mecânico enfiado lá dentro mexia aqui e ali… de repente, quando me viu chegar, fechou a portinhola que dava acesso ao motor, deixando inúmeras peças para fora, limpou as mãos de graxa numa estopa, olhou para mim e disse: “está pronto, pode voar”…

ImagemJuro por Deus que naquele dia eu tremi mais do que na primeira vez em que voei. A sensação de ver o bichinho aberto daquele jeito lembrava da fragilidade do equipamento e acendia a dúvida: e se não for um bom mecânico???

Ainda bem que era! Mas melhor ainda quando a rádio trocou a empresa que prestava o serviço. A outra fazia a manutenção longe dos nossos olhos, o que parecia ser algo bem melhor. Sabe como é, dizem que se a gente visse como é feita uma salsicha, jamais comeríamos de novo.

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Apagamos

ImagemEu me lembro bem onde estava em primeiro de julho de 2001. Foi no dia em que nós roubamos a energia do país inteiro! Nós quem? Todos nós, que estávamos diante do Santuário do Terço Bizantino, em Santo Amaro.

Eu fui até lá acompanhar uma missa do Padre Marcelo Rossi. Do alto do palco, o padre dançava, cantava, e puxava o coro de movimentos aeróbicos seguido por uma multidão gigantesca que repetia a tudo. Cantavam juntos o hit do momento, “Erguei as mãos” e muitos outros.

Então veio outro padre e começou as orações de uma missa (in)comum. Meus olhos passeavam pela multidão e começaram a marejar. Vi pessoas olharem para o céu. Vi pessoas de olhos cerrados. Vi lágrimas escorrendo. Acusado (por quem mesmo?) de ser um pop-star, o padre Marcelo Rossi desceu e veio ao público, não para fazer um “mosh”, afinal não era rock´n´roll, mas para espargir a água benta sobre aquele povo. As pessoas respeitosamente se aglomeravam diante do padre para chegar mais perto, mas o mar de gente ia se abrindo para a passagem dele, tal Maomé liderando seu povo para cruzar o deserto. Fiquei feliz de ver as pessoas levantando fotos de entes queridos doentes, cadeiras de rodas e muitas, muitas carteiras de trabalho para receber a bênção de fé e prosseguirem na luta.

Eu só pensava no texto que faria, que brotava como inspiração dentro de meu peito. Aquela seria uma grande reportagem. Mas a energia ali era tão forte que, de súbito… fez-se a escuridão.

Corri para o carro e liguei o rádio na estação de All News em que eu trabalhava.  Foi o Eduardo Castro que ouvi primeiro dizendo que no bairro em que ele estava, podia ver, ou melhor, não podia ver, porque estava tudo escuro. Foi então que percebi outro movimento de fé,  dessa vez de diversos dos meus colegas do rádio. Mesmo de folga, todos foram entrando no ar e descrevendo o cenário que (não) se via: a escuridão era na cidade inteira. Mas como?

Registrei onde eu estava e descrevi a situação ali também, no bairro de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. Comecei a percorrer a cidade e sempre que conseguia, eu ia informando a situação. Em instantes eu e meu motorista já não éramos mais uma das poucas equipes a trabalho nas ruas. Meus colegas de emissora demonstraram sua devoção à profissão e começaram a trabalhar. Aos poucos o rádio (o veículo mais ágil já inventado até agora) foi informando que a coisa era geral no Estado, nos Estados, No Distrito Federal, e eu nunca tinha visto nada daquilo.
Trabalhamos a madrugada toda dando informações, decifrando o que ocorria e informando com agilidade e certeza da informação. Tempos mais tarde descobrimos que houve um problema técnico. Mas eu fiquei com a impressão de que os relatórios do Operador Nacional do Sistema estavam todos errados. O apagão fora causado por nós, que estávamos lá, no Santuário, que mandamos toda a energia do universo para o alto. Tudo sob o comando do Padre Marcelo Rossi!

Escrever é economizar palavras

Economize palavras – “escrever é economizar palavras” disse o mestre Armando Nogueira. Vejamos a história do vendedor de peixes na feira. Comerciante próspero, resolveu incrementar a barraca com a seguinte frase: “Aqui, vende-se peixe fresco”. Chamou o amigo culto para conferir se não havia erros. O amigo fez as seguintes observações: “acho que podemos apagar o “aqui”, pois todo mundo está vendo que sua barraca não está “lá”; aconselho apagar o “fresco” uma vez que o amigo não vende peixe estragado. Podemos tirar o “vende-se” já que na feira nada é de graça e, por fim, vamos tirar a palavra peixe, pois o cheiro indica o produto que está sendo vendido”. E lá se foi a placa do peixeiro.

In Marcelo Parada – Rádio: 24 horas de jornalismo