Acabo de ler no Facebook, em homenagem ao dia, que avó é mãe com açúcar. Deve ser por isso que minha avó Alice, ou “Vólice” numa palavra só, como eu dizia quando era moleque, sempre preparava seus quitutes quando me encontrava.
Quando íamos passar o Natal com ela, em Vila Velha, ES, fazia com muito cuidado todos os itens para uma ceia farta, e sempre nos recebia com muito açúcar. Preparava fios de ovos, torta de nozes, torta de damasco (com geleia feita por ela mesma) e bolo de Natal com frutas cristalizadas. E tinha também os salgados, como as empadinhas de queijo, pra não falar nos tradicionais peru e o tender.
Quando nos visitava em nossa casa, em São Paulo, sempre no mês de setembro, tempo dos nossos aniversários (o dela, 10, o da minha mãe, 21, e o meu, 25) fazia de tudo. Biscoitinhos de fécula de batata, bolinhos de polvilho (que aprendeu lá no Paraná, onde nasceu, a chamar de bolo de goma), e diversos bolos e doces variados.
Quem sabe avó é mãe mais habilidosa? Fosse isso eu saberia por que minha “Vólice” desenvolveu a destreza impressionante de fazer crochês que eram sucesso entre todas as mulheres de sua época. No início das minhas lembranças suas mãos eram ágeis, mas com o passar dos anos foram perdendo a rapidez. Não importa. Na minha memória ela comandava uma agulha esquisita, que mais parecia um anzol a enganchar a linha, e assim criava paninhos, centros de mesa, toalhas e muitas coisas mais.
Dissessem que avó é mãe ao quadrado eu teria me lembrado do dia em que eu, com sete ou oito anos, queria espiar pela janela a área de lazer do prédio em que ela morava, o Edifício Guruçá, um dos primeiros a surgir na Praia da Costa. Eu me arriscava para ver se estava lá embaixo algum dos meninos para brincar comigo. “Vólice” irritou-se com minha postura desafiadora (ela já tinha dito para eu não subir ali, mas eu insistia) e me deu um tapa. Olhei bravo e disse: “só minha mãe pode fazer isso!” Foi aí que ela me ensinou que não, ela era uma autoridade maior ainda. Nunca mais me esqueci da lição. E nunca mais subi naquela janela.
Tivessem falado algo sobre avó ser uma mãe ainda mais sábia, eu me lembraria do dia em que eu, com dezesseis anos, recebi na casa dela uma menina com quem eu vinha saindo nas férias de verão, que tinha dezoito. “Vólice” percebeu logo: “meu filho, essa menina é mais velha do que você, isso não pode dar em boa coisa”. Sábias palavras… não deu mesmo em boa coisa, mas isso não vem ao caso. O importante é que a visão arguta daquela quituteira de mão cheia já sabia que boa coisa não haveria de sair dali.
Como morávamos longe, demorou para que conhecesse outra namorada minha. Mas conheceu. E ficou chocada quando soube que eu, depois de um ano e meio de namoro, aos 19 anos, havia desmanchado tudo com a moça que ela aprovava. “Mas como assim?” Ela não podia compreender. “Vólice” foi criada no tempo em que os relacionamentos eram quase indissolúveis, não havia essa facilidade que temos nos dias de hoje de terminar um namoro por um motivo qualquer.
Se eu tivesse lido no Facebook que avó é mãe que precisa ainda mais de afeto, eu lembraria que “Vólice” tinha ciúme de minha outra avó, “Vómaria”, minha avó paterna. A pobre Alicinha não percebia o valor que ela tinha para mim, e quanto os seus mimos e afagos tornavam-na gigante aos meus olhos e ainda mais em meu coração.
Ela era tão gigante que viveu até os noventa e seis anos. Rezava todas as noites antes de dormir, enquanto a memória ainda permitia, e talvez tenha sido esse o seu segredo de sua longevidade. Ao vê-la tão protegida pela família, amada por todos, eu sabia que suas orações valiam ouro. Já faz três anos que ela foi encontrar-se com o Criador. Eu tenho saudade da felicidade em que eu ficava quando falávamos ao telefone e ela me dizia: “meu filho, vou lhe incluir em minhas orações.” E eu só podia responder o óbvio: “graças a Deus”.